29 março 2010

A Ética da Qualidade e Contribuições para Responsabilidade Social Empresarial

Sempre que posso pergunto, em palestras, aulas, para consultores, amigos e alunos: “Para que se quer a certificação de um Sistema de Gestão da Qualidade se ainda se perde clientes, produtos trazem denúncias e multas, se os trabalhadores não melhoram suas competências, os novos clientes são perdidos por divulgação de uma imagem negativa da empresa?”.

Diante desses fatos percebo que a popularização de uma norma que é adotada por empresas voluntariamente não tem ajudado na reflexão de novos posicionamentos diante dos desafios de novos paradigmas. Os conceitos de Qualidade são conhecidos desde a década de 50 dos idos 1900. Mudanças ocorreram na consideração do produto lançado no mercado, mas empresas não entendem que as questões se ampliaram por uma nova visão: não basta produto deverá ter uma relação mais sólida com clientes, fornecedores e estender essas questões para toda sua cadeia de valor, nas dimensões internas e externas da organização.

Muitos são os elementos que discuto em termos de Responsabilidade Social Empresarial, mas o que se resume nesse tema é ir além da legislação, da obrigação, do negócio. Ir além não significa, no entanto, mudar seu foco de investimentos no negócio ou ampliar investimentos que não coadunam com seu core business, significa, sim, olhar amplamente seu negócio e vislumbrando o que você faz de bem sem esforço e, no futuro, quem sabe, pensar nisso como um projeto.
Quando se fala assim, fica a pergunta: poderíamos ter Responsabilidade Social só com uma ABNT ISO NBR 9001:2008[1]? Eu digo que sim. Vejamos alguns tópicos da norma e sua relação com o negócio empresarial.

Políticas e Objetivos da Organização
Toda a empresa estabelece sua Política, sua missão, sua visão. Desdobra tais elementos em objetivos consistentes e define para cada um deles metas.
Toda a Política de Qualidade tem em si alguns pontos que não podem faltar: melhoria contínua, cumprimento legal, preocupação com seu foco em clientes. Depois de tais discussões em toda a Alta Direção, e promovida aos quatro cantos de sua cadeia de valor, a empresa define metas que são mensuradas por indicadores, acompanhadas em reuniões.
Dentro dos elementos acima percebe-se que se torna inevitável certo nível transparência, comprometimento com diversos públicos. Ao se aplicar e publicar tais elementos constituídos, a organização torna-se responsável, como já se dizia em “O Pequeno Príncipe”, “por tudo o que cativa”. Cada novo fornecedor, cada novo cliente cada novo segmento, cada novo investidor, tudo é de responsabilidade de cada um na organização.

Dentre esses elementos e a relação da empresa se estabelecem posteriormente diversos dilemas:

- O consumidor que mais barato, melhor e com menos custo;
- O Investidor quer mais lucro, em curto prazo, sem pensar em Capital Humano, resultados de longo prazo e desconsiderando os diversos desafios de sustentabilidade
- O fornecedor sofre com demandas mal planejadas ou sem percepção do histórico de relacionamento empresarial estabelecido.
Ao se implantar um sistema de Gestão de Qualidade alguns dilemas podem ter respostas, outros talvez, dependam da maturidade da empresa e de sua gestão.

Instrumentos devem ser pensados para promover a melhoria de processo empresarial que não poderão sobreviver relegados a medidas apenas corretivas.

Recursos
Para termos medidas preventivas deve-se ter em mente que pessoas, infra-estrutura, recursos financeiros devem ser planejados de forma sólida e com base em uma análise crítica da Direção da organização com base em resultados mensurados.
Parece que falo do óbvio, pois é isso que a ABNT ISO NBR 9001:2008 prevê: olhar para dentro da organização com ferramentas adequadas em com base em ética transparência e mecanismos em que se ouve as importantes e estratégicas partes interessadas se previnem problemas de imagem e melhoram o desempenho financeiro.

Clientes
Dentre as muitas partes interessadas o cliente é importante, tão importante que existe uma norma somente para discutir a Satisfação do Cliente: ABNT NBR ISO 10002.
Analisar e gerenciar as reclamações de clientes, parece simples, mas se fosse tão simples, tão fácil a ISO[2] não teria feito duas coisas: criar uma norma específica, e colocar como parte da Política de qualquer empresa que a satisfação do cliente deveria permear os diversos objetivos empresariais.
O maior problema que percebo nesse tema é como as empresas identificam quem são efetivamente seus clientes, em que níveis são seus clientes, quais as expectativas deles.
Custom Relationship Management, CRM, lhe soa familiar? Pois esta é mais uma prova de que fazer clientes felizes é complexo, precisa-se de software, pessoas treinadas, ouvidos atentos. Digo mais: acho que seria bom uma “bola de cristal”.

Alguns desafios que se apresentam para empresas que já possuem um sistema de gestão são:
- Como utilizar-se de informações obtidas em pesquisa de satisfação?
- Os meios de obtenção de tais informações refletem a realidade da organização?
- Refletem o que realmente a empresa é, o que seus produtos têm de qualidade, o que os seus serviços beneficiam?
Se analisarmos como a Fundação Nacional da Qualidade trata da questão de Clientes nos requisitos do Prêmio Nacional da Qualidade – PNQ podemos verificar que gerenciar clientes pode ser mais profundo, e que satisfazer suas expectativas dependerá de elementos que, por acomodação em paradigmas da organização ela nem sempre analisa pelo enfoque do cliente sobe alguns aspectos segundo FNQ, 2008, p.11, "Conhecimento e entendimento do cliente e do mercado, visando à criação de valor de forma sustentada para o cliente e, conseqüentemente, gerando maior competitividade nos mercados".
O que se identifica em auditorias que já trabalhei, ou na pergunta de clientes que possuem a Isso e querem caminhar para a RSE – responsabilidade Social Empresarial – é que a pesquisa de satisfação não atende a essa necessidade e em à proposta da própria ABNT ISO NBR 9001:2008.

Nesse sentido, é importante sinalizar o que as empresas identificam ao aplicar os comuns e conhecidos métodos de pesquisa de satisfação em um Sistema de Gestão da ISO proposto por algumas consultorias:

1. Baixa taxa de resposta ao questionário;
2. Grande parte dos clientes respondem a questionários somente em períodos determinados de pesquisa, o que pode trazer somente registros mais recentes;
3. Os clientes muito satisfeitos são os que na maioria respondem.
4. Os questionários são devolvidos por pessoas que não representam o canal de comunicação entre as empresas;
5. Não se traz dados que efetivamente contribuam para melhoria de um sistema de gestão de produtos e/ou serviços.
6. O número de questionários nem sempre correspondem a uma amostra representativa.
7. A reclamação não passa por uma análise aprofundada de causa e efeito que perpasse o processo da empresa e lhe imprima mudanças, ou análises para prováveis mudanças.
Poderia se elencar outras dificuldades encontradas pelas empresas, porém creio que estarmos conscientes de que esse sistema não deve ser somente para reclamação pode significar muito.
O mais importante é que a organização perceba que um questionário nem sempre significa compromisso com parte interessada, nem sempre significa ouvir parte interessada. O que se deve pleitear com um sistema que faça o cliente ser ouvido é a possibilidade de inovar, melhorar, diminuir investimentos de recursos e identificar lacunas em: infra-estrutura, competências, produtos inovadores e análise crítica do próprio sistema de gestão ( do modo como a empresa está se vendo no mercado, aos olhos de clientes).

ABNT NBR ISO 10002:2005

Esta Norma tem a clara preocupação de não substituir nem requisitos estatutários ou regulamentares, mas sim fazer com que cada empresa repense os modelos e os resultados que vem obtendo com o uso da informação fornecida por seus clientes. Não pelo fato de todo o cliente é importante, mas a sua perspectiva pode representar um sinal de mudança do mercado, uma fragilidade do sistema da organização, uma fragilidade estrutural de produto ou serviço.
Ao tratar de reclamações essa norma aponta que, ao ouvir o cliente, é melhor que seja parte da rotina da empresa. Também traz consigo a preocupação de que esse sistema seja rápido, acessível e corresponda a uma forma de o cliente saber o nível de relevância de sua demanda, e em que situação se encontra o andamento da mesma.
A empresa deve pensar de forma estruturada nos mecanismos que permitam analisar a dinâmica de seus clientes e usuários.

Não é uma norma para atendimentos somente de Call Center, é uma forma de dar-se a conhecer e permitir que a relação entre empresas, ou empresa consumidor seja humanizada e crie fidelização, onde se tem estratégia de customização.

Diferentemente de um requisito da norma ABNT NBR ISO 9001:2008, a ABNT NBR ISSO 10002, tem como preocupação que haja um representante da Alta Direção somente para acompanhar a gestão do canal de reclamação, sugestão e satisfação do cliente. O representante permitirá que os dados sejam tratados de modo a trazerem informações para que a Alta Direção possa tratá-los de forma crítica.

O representante da Alta Direção tem, em função de suas habilidades, competências e conhecimentos meios de analisar se o que existe hoje como estrutura, treinamento reflete os interesses e resultados estabelecidos pela organização.

Parece que falamos de um mundo “perfeito”, mas não, fala-se de evolução sustentada de organizações em um mundo em que os mecanismos internacionais de defesa do consumidor têm força relevante, e pequenas empresas associadas podem representar a exclusão de uma grande empresa.

Portanto não se atenha somente a uma certificação reconhecida, talvez, diante de uma análise aprofundada de seu sistema uma norma sem reconhecimento como esta complementar de um Sistema de Gestão de Qualidade poderá representar evolução de perspectiva empresarial: um salto ético, socialmente responsável e estrategicamente relevante em seu mercado.

Referencia Bibliográfica

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR ISO 9001:2008 – Sistema de Gestão da Qualidade. Rio de Janeiro: ABNT, 2008.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR ISO 9001:2008. Gestão da qualidade — Satisfação do cliente — Diretriz para o tratamento de reclamações nas organizações. Rio de Janeiro: ABNT, 2005.
FUNDAÇÃO NACIONAL PARA A QUALIDADE (FNQ). Critérios de excelência – avaliação e diagnóstico da gestão organizacional. São Paulo, FNQ, 2008, 50p.
MARTINS, Roberto A. Gestão da Qualidade Agroindustrial. In: Mário Otávio Batalha. (org.).Gestão Agroindustrial. 3 ed. São Paulo, Editora Atlas, 2007, v.1, p.472-570.

Eliane Martinez Mota Fukunaga. Mestre em Gestão Integrada Saúde, Segurança e Meio Ambiente, com foco em Responsabilidade Social. Formação em Administração de Empresas. Extensão em Gestão de Entidades Sociais pela FACAMP. Extensão em Empreendedorismo Social pelo CEATS- Centro de Empreendedorismo Social e Administração do Terceiro Setor - FIA/USP. Professora para os cursos de Engenharia e RH nas disciplinas de Responsabilidade Social e Meio Ambiente, Administração. Auditora e Consultora em SA 8000 e NBR 16001, ISO 9001. Professora de Pós-Gradução da ANHANGUERA EDUCACIONAL S/A para Gestão Estratégica de Negócios, Gestão de Processos e Qualidade, Responsabilidade Social e Análise d econlfitos Ambientais, ISO 14001 – Sistemas de Gestão e Implantação, Sistemas de Gestão Integrada: Qualidade, Saúde e Segurança, Meio Ambiente e Qualidade. Atua pela DQS do Brasil – Certificadora Alemã de Sistemas de Gestão. Especialista em Responsabilidade Social para NBR 16001.Consultora de mercado selecionada para Construção de Ferramentas de Gestão Estratégica em Responsabilidade Social Empresarial para projeto da Cooperação Internacional Alemã no Mercosul. Responsável pela Implantação de Ação Social “Natal Amigo “ Biovet e organizadora do programa de Voluntariado Biovet. Consultora para SA 8000 em empresas do setor automotivo, papel e celulose e prestação de serviços, farmacêutica e veterinária.Voluntária desde 1997 em projetos voluntários com adolescentes. Atuou no pilar de Responsabilidade Social e relações com a vizinhança da Unilever Bestfoods Brasil Ltda. De 2003 a 2005 realizou trabalho voluntário em Escolas Estaduais e Municipais da periferia de Campinas com o Projeto – “Pensando o Meu Futuro”, atingindo 5200 adolescentes.
Notas:
[1] ABNT NBR ISO 9001:2008: Associação Brasileira de Normas Técnicas; Norma Brasileira – International Standard Organization – Norma 9001, versão 2008.
[2] International Standard Organization – Organização Internacional de Padronização.

2 comentários:

Titan Y disse...

Boa tarde

Como posso fazer para passar sugestões de publicações para você? Tenho algumas notícias que podem ser interessante para o site.

Eliane M. M. Fukunaga disse...

Olá entre em contato comigo.
eliane.mota@terra.com.br.

Abraço

Eliane